terça-feira, janeiro 16, 2007

As tragédias que nos apequenam

Recebi esse texto por e-mail, repassei para diversos amigos e tomo a liberdade de colocá-lo aqui.
Sobretudo, como engenheira civil, pequena gestora de obras e funcionária pública, manifesto aqui a vergonha que tenho daqueles colegas de profissão que não têm coragem de exercê-la com dignidade, ética e coragem.


ACIDENTES: DEVERIA SER CRIME CULPAR A NATUREZA

Especialmente em épocas de chuva os acidentes em obras civis têm se multiplicado no país. Diga-se de passagem que essa é a ponta visível do iceberg, pois que os acidentes dos quais a sociedade acaba por tomar conhecimento são os de grande dimensão e visibilidade. Uma miríade de pequenos e médios acidentes acabam não transcendendo o anonimato do circunscrito ambiente de obra.

E como sempre, sobram dos responsáveis pelos empreendimentos e até de autoridades públicas a eles relacionadas a rápida e cômoda justificativa: o acidente deveu-se à intensidade das chuvas e/ou a imprevistos geológicos.
Não considerando aqui o crime implicado na clara intenção de ludibriar a sociedade, gostaria de me ater aos aspectos puramente técnicos relacionados a essas declarações e aos próprios acidentes.

Na Engenharia há uma regra inexorável: se houve acidente, houve uma falha. Essa falha pode ser de diversas ordens: erros nas informações técnicas (dados de entrada) para o projeto, erros de projeto, erros no plano de obra, erros nos processos construtivos, deficiência em materiais empregados... A redução da margem de ocorrência de erros é uma meta que a boa Engenharia persegue com obstinação. E, ao lado de uma provada competência dos técnicos envolvidos, o maior instrumento para essa redução está na gestão técnica do empreendimento, desde a fase dos estudos preliminares até a entrega da obra acabada e seu futuro plano permanente de monitoramento técnico.

No caso dos recentes acidentes da barragem de rejeitos de mineração da Rio Pombas em MG e da Linha 4 do Metrô na capital paulista, mais uma vez as chuvas e eventuais “imprevistos geológicos” estão sendo apontados como causadores dos problemas. As características e o histórico pluviométrico, assim como todas as informações sobre a geologia regional e local e seus desdobramentos geotécnicos são dados elementares de entrada para a concepção do projeto e para a escolha do plano de obra. Surpresas consideráveis só podem ser debitadas a falhas ocorridas nessa fase inicial de levantamento e recolhimento de informações. No caso da Geologia, até a probabilidade de se encontrar durante o andamento da obra alguma feição particular não anteriormente detectada deve obrigatoriamente ser considerada nos cuidados do plano de obra e dos processos construtivos, que, para tanto, devem sempre ser acompanhados por um eficiente serviço de monitoramento e investigações complementares.

Particularmente no caso da Linha 4 do Metrô, a geologia e a hidrologeologia do local são por demais conhecidas e foram profusamente investigadas e nos estudos preliminares.

Da mesma forma, não se pode a essas alturas alegar dificuldades com as chuvas, uma vez que o regime pluviométrico da Capital é sobejamente conhecido.

Ou seja, em defesa dos profissionais brasileiros em Hidrologia, Hidrogeologia, Geologia e Geotecnia, que colocaram o país em nível internacional de competência nessas áreas, e em defesa dos interesses maiores da sociedade brasileira, apelamos às autoridades públicas e privadas relacionadas a esses trágicos acidentes que não capitulem diante dos impulsos naturais em buscar explicações e justificativas que lhes eximam de alguma responsabilidade, e tenham a coragem de “colocar o dedo na ferida”, investigando criteriosamente o plano de gestão técnica dos empreendimentos afetados. Investiguem, por exemplo, as conseqüências de um eventual excesso de terceirizações dos mais variados tipos de serviços de engenharia.

Por Álvaro Rodrigues dos Santos - Geólogo, Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente.

3 comentários:

Janes Rocha disse...

Quem tem que investigar os excessos da terceirização são os proprios profissionais da área terceirizada, afinal, é o trabalho deles que está em xeque. As autoridades devem investigar, sim, em nome do público, mas ficar esperando que as "autoridades" investiguem é muito cômodo. Aliás, esse negócio de jogar a culpa nas "autoridades" e nos "políticos" em geral é a coisa mais acomodada do mundo: ninguem vai discordar e voce joga tudo em cima de um ente, que não tem nome nem RG e que, como sabemos, nunca gera punições. Assim é facil!

Renata disse...

Depois de 12 anos de desmonte da máquina estatal, não venha cobrar dos funcionários públicos que invetiguem a situação. Ameaças das mais diversas origens surgem, e nossos empregos são ameaçados. Ninguém é suicida.
O Poder Público tem culpa, tem nome e tem RG: PSDB, era Mario Covas, aquele que morreu como ídolo e lesou tanto o Estado de São Paulo, assim como seu sucessor. Espero que o Serra seja um pouco diferente!

Luciana disse...

Deixar que os próprios funcionários terceirizados realizem fiscalizações nas obras que executam é como pedir à raposa que cuide do galinheiro, é como pedir que o vizinho da sua faxineira fiscalize o trabalho dela na sua casa, ou mesmo pedir ao Paulo Maluf que cuide com carinho do dinheiro público. O Estado tem pessoal muito bem especializado, bem formado e treinado e são eles que devem fiscalizar as obras feitas pelas empreiteiras que realizam serviços em nome do Estado.